Pela dimensão, pela estrutura demográfica, pela abertura à inovação e até pelo posicionamento geográfico, Portugal tem todas as condições para ser determinante a definir métodos e tecnologia capazes de nos fazer viver mais anos e com mais saúde e qualidade. Quem o garante é Nina Patrick, fundadora da Nina's Notes & Longevity Wednesdays.
Em entrevista ao SAPO, a especialista, que será uma das oradoras do painel The Legacy of Sport: From World Cups to Everyday Wellbeing, no EuroAmericas Forum 2025, de que o SAPO é parceiro, explica como os empreendedores que estão a trabalhar na área da tecnologia para a saúde podem ajudar, mas também como cada um de nós pode fazer a diferença para melhor, à sua própria escala. "O exercício físico é fundamental também para a longevidade cerebral", vinca.
A sua newsletter, Nina's Notes, foca-se em traduzir ciência complexa em estratégias aplicáveis à realidade. Qual foi a estratégia de longevidade baseada na ciência que mais a surpreendeu pelo impacto?
Quando pensamos em longevidade, pensamos em suplementos ou em diferentes tipos de protocolos, talvez injeções intravenosas, clínicas e intervenções muito dispendiosas. Mas acredito que as estratégias mais práticas para a longevidade são as relacionadas com a gestão do stress, a qualidade do sono e o fortalecimento das ligações sociais. Sei que estas estratégias podem parecer "leves" em comparação com suplementos ou outras intervenções mais intensas, mas são elas que afetam fundamentalmente a longevidade e os sinais de envelhecimento. Estas estratégias exigem mudanças de comportamento de uma forma diferente da de tomar um suplemento, o que dá mais trabalho. Mas a recompensa é enorme, porque a maioria das pessoas que chegam aos 100 anos está rodeada de uma comunidade forte. Fortalecer as suas ligações sociais é algo que, sem dúvida, ajudará a viver uma vida mais saudável e mais longa. Realço também a importância de dormir o suficiente e de ter um sono de boa qualidade. Dormir oito ou nove horas por noite já ajuda a fortalecer a saúde e o sistema imunitário, além de trazer enormes benefícios, sobretudo no controlo do stress.
Dada a sua formação em neurociência e especialização em longevidade, como descreveria a ligação mais crítica e frequentemente negligenciada entre a saúde do cérebro e a longevidade física?
A ligação mais frequentemente negligenciada entre a saúde cerebral e a longevidade é o exercício físico, que é extremamente benéfico para a saúde do cérebro: ajuda a melhorar a memória, o raciocínio e a regular as emoções. É ainda possível reduzir o risco de demência com exercício. Sabe-se que o exercício promove a neurogénese, que é a criação de novos neurónios, e fortalece as ligações dos neurónios existentes, e auxilia a coordenação motora, aumentando também a neuroplasticidade do cérebro. A importância do exercício para a saúde cerebral é muitas vezes subestimada e é algo que todos podemos começar a fazer já hoje.
A tecnologia tem dado passos importantes para ajudar à democratização da longevidade com qualidade de vida. Mas há ainda muitos desafios, sobretudo num país como Portugal, onde um terço da população tem mais de 60 anos mas a vida saudável é das mais baixas a nível europeu. Que soluções seriam capazes de mudar este paradigma?
Portugal está numa posição privilegiada para liderar em longevidade devido a dois factores-chave: o envelhecimento da população e o sistema nacional de saúde. O sistema público de saúde aqui é, na verdade, uma vantagem significativa. Sistemas centralizados podem implementar programas preventivos de forma muito mais eficiente do que os sistemas privados fragmentados, como nos Estados Unidos, onde nasci. Isto cria uma oportunidade real para testar novas tecnologias de longevidade e avançar para uma assistência preventiva mais robusta.
Mas a tecnologia apresenta soluções concretas?
Especificamente, vejo várias soluções práticas. Em primeiro lugar, poderíamos tirar partido de dispositivos wearable que rastreiam biomarcadores, tornando os dados de saúde personalizados acessíveis tanto aos doentes como aos profissionais de saúde dentro do sistema. Podemos também expandir a telemedicina especificamente para os cuidados preventivos focados na longevidade, o que aumentaria o acesso, especialmente para a população idosa de Portugal que vive fora das grandes cidades. Seria excelente que o sistema público de saúde português incorporasse princípios da medicina funcional para ajudar a tratar as causas profundas, em vez de apenas gerir os sintomas.
Um coach de saúde com IA poderia ampliar as interações individuais que as pessoas têm com os profissionais, fornecendo apoio contínuo entre as consultas. Isto poderia funcionar tanto em sistemas públicos como privados.
Por último, criar interoperabilidade entre sistemas permitiria a prevenção preditiva e possibilitaria aos médicos utilizar dados populacionais para intervir antes do desenvolvimento de problemas de saúde.
A demografia de Portugal não é apenas um desafio, mas também uma oportunidade para se tornar um campo de testes para intervenções de longevidade escaláveis que poderão orientar os sistemas de saúde a nível global.